Galera que quer negar. São jovens integrantes da União da Juventude Socialista (UJS), em Congresso no mês de abril, em Barra Bonita, SP.Por que negar? Por Dandara Fuhrmann e Fabrícia Lopes
Muitas transformações históricas têm sua gênese na negação. O que seria do proletariado se não tivesse se organizado em sindicatos e dito não à exploração, e do meio ambiente se não houvesse militantes que dissessem não ao desmatamento? E se Martinho Lutero não tivesse dito não ao clero e suas indulgências? Enfim, vários foram os “nãos” cruciais para a garantia de mudanças.
1968 foi o ano que melhor representou o sentimento de negação da juventude em toda parte do globo. Movimentos sociais eclodiram como forma de protesto à Guerra do Vietnã (1964- 1975), à repressão sexual, à manipulação do imaginário coletivo pela mídia, e à ordem cultural predominante. “A coisa da liberdade, da subjetividade, do comportamento, são conquistas de 68, e muitas dessas conquistas foram se aprimorando”. Afirma o Jornalista Zuenir Ventura, autor do livro 1968 – “O ano que não terminou” - Editora Planeta.
A contracultura era muito evidente neste momento. Jovens buscavam uma forma alternativa de vida, desligada do mundo organizado, que prezasse a liberdade e o prazer. O movimento Hippie foi uma demonstração de comportamento não ajustado aos padrões vigentes da sociedade. Com o lema “Make love not war” (faça amor e não guerra) e “flower power” (poder das flores), pretendiam negar às guerras e ao apego aos bens materiais, assim como propor uma volta aos valores naturalistas.
Neste momento, o Brasil vivia sob o jugo da ditadura militar. As manifestações estudantis assimiladas também por artistas, intelectuais, operários e sindicalistas contra a ditadura possibilitaram a formação da atual democracia representativa. O filósofo Prof. Dr. Júlio Tognolli da Universidade de São Paulo (USP), foi militante dos movimentos contra a ditadura militar, e concedeu-nos entrevista via telefone, na qual disse que a contracultura teve como um de seus pilares as idéias de Nietzsche e Herbert Marcuse que, ao reinterpretar a teoria psicanalítica de Freud, conclui que o Racionalismo (doutrina filosófica surgida nos séculos 17/18 - afirma ser a razão o único órgão adequado e completo do saber), na verdade não leva à liberdade, mas ao descontrole. “Chegou-se à possibilidade da não-repressão, rapidamente adotada pela libertária juventude, que passou a repudiar a razão. A contracultura surgiu, justamente, porque as pessoas haviam se cansado do nazismo, e das bombas atômicas. Essa geração indagou: Porque confiar no homem?” Explicou Tognolli.
O término da repressão política no Brasil trouxe, entretanto, o esquecimento da mesma. Há que se negar a esse esquecimento. Seria porque a democracia não empolga? “A democracia é um regime necessariamente de tédio”, disse o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. A necessidade do debate político, da busca pela compreensão do cenário social é mais facilmente percebida em tempos de insegurança política. O que talvez não ocorresse se o leque possiblitado pela democracia fosse enxergado – “Pois é na rotina que podemos fazer as melhores coisas. Quando todo dia fazemos um pouco de coisas boas, fazemos muito. É assim que se constrói um país livre e bom de viver: fazendo das melhores práticas, rotinas. Para quem tem imaginação, isso é altamente empolgante”, conclui o filósofo.
Essa falta de empolgação permitiu o desenvolvimento de práticas, exercidas principalmente pela mídia, que suprem a necessidade de entusiasmo pelas relações humanas. Intelectuais como Guy Debord, filósofo e estudioso de nossa realidade pós - moderna, afirma que vivemos numa fase marcada pela troca do real pela sua representação, ou seja, a sociedade do espetáculo. Tudo aquilo que falta na vida rotineira e desgastante do homem comum é suprido pelas representações da mídia e das peças publicitárias que transmitem emoções de aventura, felicidade, prazer, que deveriam ser vivenciadas diretamente. Seria uma maneira artificial de se viver, em que as sensações são calculadamente construídas e vendidas à sociedade. Este conceito é também conhecido como “fetichismo da mercadoria” - a felicidade atrelada ao consumo. O livro de Debord, “A sociedade do espetáculo” - Editora Contraponto - reflete esta problemática.
Segundo a antropóloga Aline Vilhena, o conflito, tanto interior como exterior, é de grande relevância, pois, ao percebermos o que nos cerca e ao tentar entender suas devidas circunstâncias, evoluímos, e negar, sem dúvida, é uma das atitudes cabíveis para que transformações positivas ocorram.