quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Eu Quero Mais Música na Música!

Foto: Sylvia Koscina, João Gilberto, Tom Jobim e Mylene Demongeot


Bossa Nova e Tropicália; Estereótipos de intelectualidade

Quase dez anos antes das efervescências estudantis de 1968 eclodirem na França, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli e outros músicos cariocas já se reuniam no Edifício Palácio Champs Elysée, no apartamento de Nara Leão para curtir um samba e trocar idéias. Talvez o fizessem meio que despretensiosamente, mas, o ajuntamento desses artistas também culminou em boa revolução. Cerca de dois anos depois, o estilo popular de música brasileira era transformado.

Uma nova harmonia, que mistura idéias do jazz e a percussividade do samba, com algumas paradas improvisadas e um canto leve e meio parado, que remetem bem ao jeitinho malandro, ajustou-se ao já tradicional samba. E as letras, ou poemas, acompanhavam a delicadeza das novas melodias. Era o nascimento de um novo modo de tocar, ou de uma “bossa”, como era a gíria do momento, utilizada para designar algo que fosse original. Justamente por isso denominou-se bossa nova a nova cultura de fazer música.

O que era pra ser símbolo da inovação do jazz, ou do samba, e da mais bela estética harmônica, acabou se tornando brasão de intelectualidade, ou de identificação com a elite econômica. Se a bossa nova surgiu em momentos conturbados da política mundial, e de fato tentava refletir isso em suas composições, mesmo que intrinsecamente, não precisa necessariamente ser amada por essa máxima. É bonita demais pra isso. E, se o samba surgiu nos guetos, os apreciadores, hoje, identificam-se como pertencentes às classes privilegiadas. Algo muito estranho para uma sociedade que desde o período colonial estabeleceu forte resistência em relação a quaisquer manifestações artísticas de origem negra.

João Gilberto quando cantou “Hô-ba-la-lá” para Menescal, que foi uma das primeiras músicas com cara de bossa nova, nada tinha de denúncia social, e não foi por isso que deixou de encantar a quem ouvia. Tanto que Menescal ficou admirado e correu levar o baiano a seus amigos.

Anos depois, em 1967, o movimento tropicália aparece como ápice de demonstração ideológica nas composições musicais. É o que hoje se afirma, mas na época em que ocorreu era visto como vago, sem comprometimento político, e seus representantes apontados como alienados. No terceiro milênio, porém, o movimento está muito mais bem conceituado. Seria mais uma forma bonita e emocionante de se contar a história do Brasil?

No campo sonoro, porém, algumas mudanças de fato ocorreram como o uso da guitarra elétrica, devido à influência do rock, e pela mistura de outros ritmos; bolero, baião, samba etc. Por isso a consideração antropofágica dada ao movimento. Fato que muitos criticavam por relacionar à falta de nacionalismo, visto que os outros estilos musicais de nada tinham a ver com a cultura popular brasileira. Se assim fosse, então, viveríamos eternamente ao som do bandolim.

Quanto à apropriação dos gêneros populares pela classe dominante, há justificativas muito antigas para o caso. A criação de modinhas populares por Domingos Caldas Barbosa, no século 18, tiveram grande sucesso e rapidamente foram absorvidas pela elite, que levou muitos músicos eruditos a compor modinhas e reproduzi-las nos salões imperiais de Portugal. Embora, é claro, com algumas adaptações. Como disse Mário de Andrade, “nada tinha de amoroso, e muito menos de referência a negras e mulatas sexuais”.

Não sei se é costume brasileiro, mas, é impressionante como sempre se atrela artistas à vida política do país. Não que eles não devam ter conhecimento político, pois, como já dizia Brecht, “o pior analfabeto, é o analfabeto político”, mas convenhamos, que mania imprópria. Artista não tem que opinar em nada, a menos que de fato seja um estudioso do assunto. Já chega de falsos Caetanos embromando um discurso pífio.

Apropriada pelas elites ou pelas guerras ideológicas, a música popular brasileira pode ser contemplada pela beleza de sua melodia e sua complexa harmonia, ainda que não possua cunho ideológico. Não fosse assim, a música clássica não seria tão intimista e fortemente apreciada mesmo após séculos de inspiração

3 comentários:

Diego Assunção disse...

O comprometimento que um artista deve ser é com sua arte. "Um lutador luta", já ensinava o sábio Rocky Balboa, lição essa que vale para todos... Um cantor canta, um cineasta filma, etc.

Se a política ou qualquer outra questão passar pelo seu trabalho, que seja apenas pela inevitável razão de que tudo isso faz parte da vida. Consequentemente, da arte.

É óbvio, mas vou dizer: bem bacana, o texto.

Monica disse...

Certíssima, Dandara. Artistas não deviam falar sobre política como se fossem os maiores conhecedores do assunto. Mas é fato que muita gente se influencia por isso. Lembra daquele plebiscito do uso de armas? O "Sim" usou um monte de globais. Não deu certo, mas é fato que muita gente votou pelo sim por causa da Angélica.

=)

Nathália Bragalda disse...

Cunho ideológico? Vá saber...
Mas que a beleza do Brasil se revela na bossa e tropicália, sem dúvidas!
Como se diz à brasileira: à vera!

Afinal certas inspirações artísticas ultrapassam qualquer entendimento.

Adorei seu blog, flor!